O BRANCO e o RÉVEILLON!

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

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Para nós, o branco, por seu efeito óptico, sua ausência de coloração, nos parece próximo da própria luz. Sua irradiação transmite pureza e calma.
É a cor do reino dos céus, da luz divina de Deus, da santidade e da simplicidade. As pessoas justas – aquelas que eram boas, honestas e viveram pela Verdade - são representadas nos ícones com vestes brancas.
Mas o branco também é a cor dos lençóis da morte, do Cristo na deposição na tumba e de Lázaro. Segundo Dionísio Aeropagita, o branco é cor da glória e da potência do divino, mas também da destruição do mundo terrestre. Após a ressurreição, o Cristo é sempre representado de branco.
Diz Salomão: “A Sabedoria é mais móvel que qualquer movimento e, por sua pureza, tudo atravessa e penetra. Ela é um eflúvio do poder de Deus, uma emanação puríssima da glória do Onipotente, pelo que nada de impuro nela se introduz. Pois ela é um reflexo da luz eterna, um espelho nítido da atividade de Deus e uma imagem de sua bondade.” (Sabedoria, 7:24-26).

O Profeta Daniel assim vê a Divindade: “Eu continuava contemplando, quando foram preparados alguns tronos e um Ancião sentou-se. Suas vestes eram brancas como a neve; e os cabelos de sua cabeça, alvos como a lã. Seu trono eram chamas de fogo com rodas de fogo ardente.” (Daniel, 7:9).
Como o branco é a unidade de todas as cores, consequentemente, torna-se, simbolicamente, o emblema da Divindade, da Onipotência de Deus, que encerra em si mesma todas as virtudes. O branco, atribuído a Deus Pai, é o símbolo da Verdade absoluta de Deus, unidade de tudo que procede, verdade por essência, verdade imutável.

Na Transfiguração no Monte Tabor, os apóstolos vêem que o rosto de Jesus “resplandeceu como o sol e as suas vestes tornaram-se alvas como a luz.” (Mateus, 17:2). No Ícone da Paternidade, o Pai é representado vestido de branco. Os anjos que anunciam a ressurreição do Cristo também são representados com vestes brancas, fulgurantes. (Mateus 28:3; Marcos 16:5, Lucas, 24:4, João 20:12) assim como o anjo da Ascensão (Atos 1:20).

De seu principal significado, como Verdade absoluta, derivam outros significados não menos importantes, como a fé e a pureza. O Papa veste-se de branco para indicar que suas virtudes devem ser a fé e a pureza de coração, uma vez que representa o Cristo sobre a terra e é o depositário da verdade.
No plano humano, o branco representa a virgindade, a inocência, a pureza e a candura.

Infelizmente o que vemos no Réveillon é o sincretismo, onde milhares de Católicos agem como se fossem do Candomblé, e muitos agem conscientes que estas práticas são avessas ao catolicismo. No Candomblé quem gosta de cachaça é Exu, quem veste branco é Oxalá, quem recebe oferendas em alguidares (vasos de cerâmica) são orixás. E quem adora os orixás são milhões de brasileiros que vão as praias e em outros lugares fazerem este tipo de ritual. Yemanjá é a soberana das águas, segundo esta “religião”, e gosta de rosas brancas jogadas ao mar.

Não foi em vão que em Apocalipse 12, 17 falando da grande guerra entre a Virgem Maria e o Dragão relata: “Este, então, irritou-se contra a Mulher e foi fazer guerra ao resto de sua descendência, aos que guardam os mandamentos de Deus e tem o testemunho de Jesus. Ele (o dragão) se estabeleceu na praia.”

E é justamente na praia que o homem age de forma, e tomando a forma do inimigo de Deus; ou seja, promovendo o ocultismo, mandingas, simpatias; promovendo a libertinagem, a nudez, a fornicação, sexo livre. Será que foi por acaso que o dragão foi se estabelecer a beira do mar? Ele conhece bem onde nos pegar, onde e como armar suas ciladas (...).

Ó Virgem Santíssima, Mãe de Deus e nossa, pisai a cabeça da serpente infernal e enviai sua Milícia Angelical em socorro de seus filhos! Ensinai-nos a combater o bom combate, dissipai as audácias de satanás e fazei nascer em nós um verdadeiro amor por seu Divino Filho, Nosso Senhor e Salvador!

Desejo a todos os leitores do "Santa Mãe de Deus!" um 2011 de grandes conquistas espirituais, que possamos deixar as tolices, as crendices, o sincretismo, o falso ecumenismo; enfim, que possamos ser inteiramente de DEUS e servi-Lo como verdadeiros CATÓLICOS! Busquemos sim, revestirmos da graça do Senhor e deixarmos nossas almas puras e alvas, pois esta é nossa meta, nossa santificação! Salve Maria!

01/01 dia de Nossa Senhora: MARIA, SANTA MÃE DE DEUS!

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

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O dogma da MATERNIDADE DIVINA consiste em que a Virgem Maria é verdadeira Mãe de Deus, por ter engravidado por obra do Espírito Santo e dado à luz a Jesus Cristo, não quanto a sua Natureza Divina, senão quanto à Natureza humana que tinha assumido. A Igreja afirma este Dogma desde sempre, e o definiu solenemente no Concílio de Éfeso (século V).


Algum tempo depois, foi proclamado por outros Concílios universais, o de Calcedônia e os de Constantinopla.

O Concílio de Éfeso, do ano 431, sendo Papa São Clementino I (422-432) definiu:

“Se alguém não confessar que o Emanuel (Cristo) é verdadeiramente Deus, e que portanto, a Santíssima Virgem é Mãe de Deus, porque pariu segundo a carne ao Verbo de Deus feito carne, seja anátema.


Totus Tuus

Dia 01/01/2004 eu me consagrei oficialmente à Santíssima Virgem, pelo método de São Luís Maria Grignion de Montfort e desde então a tenho como Senhora.

Sou totalmente de Cristo pelas mãos e intercessão de minha Senhora! Sei que ela é a mãe amorosa, mas confesso que muito me agrada aproximar-me dela como escrava; abrindo mão dos meus direitos de filha, para ser dela somente escrava de amor!

Mas o que seria então esta escravidão que falo e que São Luís M. G. de Montfort ensinou? A total consagração à Nossa Senhora, ou a santa escravidão de amor é a entrega de tudo que somos e possuímos à Santíssima Virgem para que através dela possamos mais perfeitamente pertencer a Deus.
A finalidade desta total entrega a Nossa Senhora é nos unir a Jesus Cristo e nos fazer crescer em sua graça. Nos entregamos totalmente a Nossa Senhora para que ela nos ensine a cumprir em nossa vida a Santíssima vontade de Deus. São Luís Maria de Montfort chama a Santa Escravidão de Amor de “A Verdadeira Devoção”, simplesmente porque ela nos mostra quem é Nossa Senhora, qual seu lugar no plano de salvação e sua missão na vida da Igreja e de cada um de nós.


A doutrina da Santa escravidão nos faz ver e compreender que Jesus nos deu Maria como verdadeira mãe, mestra e educadora, e ao mesmo tempo nos convida e nos faz lançar aos cuidados desta boníssima Senhora atendendo ao mandato de Jesus que olhando para nós nos diz: “Eis aí tua mãe”. Assim pela total consagração de nós mesmos à Santíssima Virgem estamos dizendo nosso sim a Jesus que no-la deu por mãe, a fim de que Ela nos ensine a fazer tudo que Ele mandou.

Nós confirmamos a soberania de Deus e da Santíssima Virgem em nossas vidas, entregando TUDO que somos e temos a Jesus pelas mãos de Maria. Aqui, TUDO quer dizer TUDO. Nosso corpo com todos os nossos bens materiais e nossa alma com todas as nossas riquezas espirituais, nossos pensamentos, nossos desejos e quereres. Assim, mesmo os méritos de nossas orações, sacrifícios e boas obras passam a pertencer a Maria Santíssima para que Ela possa usá-los como lhe aprouver. Pela Santa Escravidão de Amor passamos a não possuir mais nada. Tudo passa ser de Maria, para que deste modo tudo possa ser de Deus.



Quando fazemos esta consagração e a vivemos obtemos um aumento admirável em nosso “Capital de Graças”, e por isso nos santificamos mais rapidamente e de maneira mais perfeita e segura. Com efeito, Maria Santíssima é um caminho fácil, curto, seguro e perfeito para nos unirmos a Jesus e crescermos em sua graça.


Romantismo Alemão ( 6° Post) - veio filosófico

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C. O veio filosófico


O terceiro veio formador do Romantismo é de natureza filosófica e está intimamente ligado ao veio religioso, pois vem beber os pensamentos de Jacob Boehme. Com efeito, os filósofos idealistas alemães, Fichte, Schelling e Hegel, adotaram linguagem e idéias dos místicos na exposição de seus sistemas, particularmente as de Mestre Eckart e de Jacob Boehme, como veremos mais adiante. Em todos esses filósofos foi também grande a influência do pietismo e da Cabala.
Historicamente, a ligação entre Boehme e os filósofos do Romantismo alemão fez-se por meio de dois teólogos pietistas: Bengel e Oetinger.

John Albrecht Bengel (1687-1752) foi membro do clero protestante e pietista da Suábia. Escreveu várias obras sobre o Novo Testamento, e especialmente sobre o Apocalipse. A preocupação pietista com os "sinais dos tempos", revelação de Deus na história, e a expectativa do advento do Reino de Deus na terra - o "tempo dos lírios" (o "Lilienzeit" de Jacob Boehme) - levaram Bengel a buscar no Apocalipse e na História o desvendamento do futuro. Para Bengel, Deus revelava-se a si mesmo na História, através de um plano providencial, que era combatido pelo demônio. Bengel chegava às raias do dualismo ao imaginar uma oposição simétrica entre a Santíssima Trindade e uma Maligníssima Trindade infernal que se combateriam na História. Todas as ações dos homens, mesmo as piores, acabariam concorrendo para a realização do plano divino. Em Hegel, um pensamento parecido será expresso na teoria da "astúcia da razão".
"Em Bengel, é Deus que se realiza na História da Humanidade, passo a passo, conforme um plano providencial preciso, visando edificar o seu Reino que efetivamente será atingido no final da História sob o comando de Cristo, no reino de mil anos" (Ernst Benz - op. cit. p. 46).
Esse mesmo autor mostra como o evolucionismo histórico dos místicos e filósofos idealistas alemães tem caráter gnóstico.
"Este processo da auto-manifestação de Deus implica e compreende também sua manifestação no universo; é um processo tanto criador e conservador quanto esotérico. A evolução do universo através dos diferentes reinos da matéria inorgânica, das plantas, dos animais, do homem, aparecem tanto nesse processo teogônico quanto na soteriologia (estudo da salvação humana), que forma uma espécie de prolongamento ou continuação da evolução criadora no reino da História. Hoje, quando há uma discussão apaixonada sobre a evolução soteriológica do Padre Teilhard de Chardin, é preciso lembrar que o termo evolução não foi introduzido primeiramente pelos sábios das ciências naturais do século XIX em torno de Charles Darwin, mas que o termo foi introduzido como um termo teológico e soteriológico pelos teósofos do século XVIII. Foi assim que ele foi adotado pelos filósofos do idealismo alemão, Hegel, Schelling, Baader, como termo soteriológico para descrever o processo teogônico no qual Deus manifesta a si mesmo tanto no universo quanto na soteriologia 'a fim de que Deus seja tudo em todos' (I Cor. XV, 28). Este versículo de São Paulo, que se acha tantas vezes citado por Teilhard de Chardin, é o versículo favorito de Schelling, de Baader, e, antes deles, de Oetinger. Foi Baader quem publicou um escrito sobre "A evolução e o revolucionismo" ou sobre a evolução positiva ou negativa da vida em geral e da vida social em particular nos Anais da Baviera.
Para Bengel, o Apocalipse daria a chave para se compreender a História, assim como também seria a Revelação da própria natureza de Deus. Como Joaquim de Fiore, Bengel procurava fazer paralelismos entre personagens bíblicos e históricos, e dedicou-se a cálculos numéricos para determinar a data do início do Reino de Deus. Acabou concluindo que o reinado da Besta começara em 1143 e, como esse período duraria 666 anos, ele marcou o início do milênio para 1809, tendo mais tarde adiado esse início para 1836.

Friedrich Christopf Oetinger (1692-1782), por sua vez, foi o principal discípulo de Bengel. Estudou em Tubingen, onde se interessou por obras rabínicas e Cabala. Entrou em contato com um grupo cabalista de Frankfurt, ao qual pertenceram o pietista Johann Jacob Schütz e o conselheiro Fende. Este grupo estudava o Zohar e a "Cabala denudata" de Christian Knorr Von Rosenroth. Foi ainda em Frankfurt que Oetinger teve contato com o cabalista judeu Kopel Hecht que, como vimos, o aconselhou a ler Jacob Boehme para conhecer a Cabala.

Como Bengel, Oetinger defende a tese de que Deus se revela na História, especialmente de homens carismáticos como Boehme ou Swedenborg.

Oetinger procurava na História as regras da ação da Providência que permitiriam compreender seguramente a História:
"...regras que se reencontrarão na metafísica histórica do idealismo alemão" (E. Benz - op. cit. p. 44).

No final do processo histórico, Deus seria em cada homem o alfa e o ômega. Haveria então uma grande efusão do Espírito Santo e realizar-se-ia o Reino do Amor, a idade de ouro. Nesse tempo, o homem teria uma "ciência natural" que lhe permitiria compreender perfeitamente a Medicina, o Direito e a Teologia. Schelling dirá a mesma coisa, anos depois.
Oetinger, como todos os teósofos, não acreditava num Deus imutável. Como a Cabala, ele distinguia Divindade e Deus, e não aceitava as processões divinas no sentido Trinitário.

"Logicamente a doutrina cabalística dos Sephiroth conduz Oetinger a criticar o dogma oficial da Igreja a propósito da Trindade; ele acaba por declarar, por isso, que a segunda pessoa da Trindade cristã é, na verdade, a Shekinah (magnificência) tornada homem, enquanto que a identificação da terceira pessoa com o Espírito Santo é devida a uma interpretação errônea da doutrina judaica da Hochmah (Sabedoria). Talvez tais idéias tenham sido inspiradas a Oetinger por Kopel Hecht, que tinha evocado diante dele o caráter estranho dos dogmas cristãos; em todo caso, elas conduziram o autor a evitar, na exposição de sua própria concepção da Trindade, a palavra ‘pessoa’, a fim de que não desse a impressão de triteísmo".

Por isso, Oetinger prefere usar os termos 'sefiroth' ou emanações, e não ‘pessoas’, ao tratar das processões divinas.
Oetinger, como Jacob Boehme e todos os gnósticos, tinha uma concepção dialética do movimento de Deus:

"(...) em seu comentário sobre os sete sephiroth inferiores, Oetinger vai considerar o movimento em Deus, como uma luta entre duas forças contrárias, com uma resolução na perspectiva de uma paz final. O repouso será então o fruto de uma vitória simbolizada pelo nome da sétima sefirá: Netzah. Ora, é esta passagem do estado de guerra ao estado de repouso que Oetinger chamará de actus purissimus. Não se poderia afastar-se mais da noção metafísica de ato puro

Para Oetinger, o Espírito Santo, "aquele que há de vir", o Amor, reuniria não só o Pai e o Filho, mas também Deus com o universo e com todos os homens.
Assim como os cabalistas e, mais tarde, os idealistas, Oetinger considerava que todo espírito sem corpo, ou que não pudesse tê-lo, seria mau. O universo seria o corpo do qual Deus seria a alma. Os conceitos de espírito e matéria seriam correlatos e reversíveis. O espírito seria matéria sublimada. Era em termos alquímicos que Oetinger se expressava:

"O volátil se fixa, e o fixo se volatilisa. Isto significa que o espírito se torna corpo, e o corpo, espírito (...) O perfeito símbolo desta alquimia é Jesus Cristo: em sua pessoa, o espírito revestiu uma forma corporal, e o corpo de carne se espiritualizou com a ressurreição. Esta pessoa é, por excelência, o lugar de encontro entre o espírito e o corpo (...) É universalizando esta verdade que Oetinger declara, de um lado, que tudo é espírito; de outra parte, que tudo o que é espírito, é também corpo".

Estas idéias de que Deus seria a alma do mundo, e de que haveria correspondência entre matéria e espírito, são reencontradas entre os românticos. Segundo elas, a criação teria permitido que a Divindade se refletisse na natureza e, sendo senhora dela, se tornasse Deus e, querendo bem a ela, se tornasse Amor. É isto que explica o culto que os românticos tinham pela natureza.

A natureza seria então boa, enquanto meio necessário para revelar a divindade, embora tivesse sido a sua criação que determinara a existência do mal no próprio Deus. O Reino de Deus viria sanar esse mal, redimindo a natureza e o homem. Nesse Reino, Deus, o Universo e o homem seriam um.

"O Mal, não é a criação em si mesma, como pensavam os gnósticos. O Mal é esta brecha que a Divindade abriu em si mesma para que um mundo distinto pudesse existir. O Reino de Deus é o vazio preenchido. O Reino de Deus exalta a criação em vez de aboli-la. Deus une-se à sua criação na Ekklesia, que é seu corpo espiritual. A alma do Messias, malkulth, é o corpo místico que tem a sutileza da alma com relação à materialidade grosseira, e que é um corpo com relação ao espírito puro".

Oetinger dizia opor-se violentamente aos gnósticos, principalmente a Cerinto, que negava qualquer valor à matéria, mas seu próprio sistema é gnóstico, embora moderado, no que tange ao problema da matéria. Por isso, Déghaye afirma que:
"... a filosofia sagrada de Oetinger deveria ser considerada mesmo como uma gnose anti-gnóstica".

O milenarismo de Oetinger chega até a defender a apocatastasis, isto é, a redenção do próprio demônio, para tornar real a frase: "que Deus seja tudo em todos" (I Cor. 15,28).
Inspirando-se no tempo dos lírios de Boehme e nas teorias de Bengel, Oetinger tem uma concepção do Reino de Deus, ou Reino do Amor, igualitário e comunista, que vai repercutir nos românticos e em Marx.

"Em certo sentido, o quadro da idade de ouro esboçado por Oetinger constitui o molde no qual serão fundidos os esboços do Estado final da sociedade, do Estado ou da sociedade ideal, tais quais nós os encontraremos em Hegel, em Schelling, em Baader, como também em Karl Marx, e é impressionante ver que não só conceitos importantes de Hegel, mas também de Marx figuram na descrição da Idade de Ouro de Oetinger"
Traços característicos desse Reino do Amor de Oetinger são o sacerdócio universal e a igualdade completa dos homens. Por isso, não haverá nesse Reino do Amor propriedade privada. Tudo será possuído em comum.

A terceira condição de felicidade desse Reino é a inexistência de governo e de moeda.
Será o amor que presidirá todas as relações humanas, depois que os homens estiverem libertados da propriedade, e do governo.

Gnose

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

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Salve Maria!

Lendo com atenção os textos já postados sobre o Romantismo Alemão, observamos que a Gnose envolve muito esta fase, também começamos a abrir um leque diante nossos olhos, pois acabamos por ver que gnósticos são muitos dos católicos entre nós! E é esta visão que eu desejo que vcs leitores tenham, a visão de poder enxergar onde estão as más influências do Romantismo Alemão e suas vertentes dentro da Igreja. E pela graça de Deus que vcs possam não cair nesta cilada demoníaca.
Gnose: religião oculta da história (por Orlando Fedeli).
*  *  *
Quando se estuda a gnose entra-se num labirinto cheio de brumas, tentando descobrir segredos que permitirão chegar a um mistério. Não é de estranhar que o tema se preste a confusões.
É pois necessário estabelecer distinções. E uma primeira é entre panteísmo e gnose. Ora, o panteísmo é a doutrina que considera que tudo - inclusive a matéria - é Deus. A gnose, ao contrário, em quase todos os seus sistemas condena a matéria como obra maligna.
Simplificando um tanto o problema, cujos meandros não podem ser examinados nos limites deste artigo, pode-se dizer que o panteísmo representa uma corrente plutôt otimista, enquanto a gnose é pessimista.
O panteísmo é naturalista, monista e tende ao racionalismo.
A gnose é dualista, anti- cósmica e anti-racionalista. Mas essa é uma distinção que deveria em alguns casos ser matizada, porque alguns sistemas gnósticos são ambivalentes, com relação ao mundo material, que é dialeticamente amado e odiado ao mesmo tempo. Por outro lado, há sistemas panteístas que admitem a transformação da matéria em espírito, ao fim da evolução.
Por exemplo, nota-se no sistema panteísta de Plotino uma clara tendência para gnose, embora esse autor neoplatônico tenha até escrito uma obra contra os gnósticos de seu tempo.
Conviria ainda dizer que o panteísmo é uma anti-câmara para a gnose, sistema reservado para espíritos mais tendentes ao misticismo orgulhoso do que ao sensualismo.
*  *  *
Para conceituar a gnose, poderíamos dizer que ela pretende ser "o conhecimento do incognoscível".
Evidentemente, essa conceituação revela uma contradição que é típica da gnose. Conhecer o incognoscível é uma contradição conceitual e lógica. Mas ocorre que a gnose repele a inteligência e a lógica como enganadoras. O verdadeiro conhecimento seria intuitivo, imediato e não discursivo e lógico.
Conhecer o incognoscível, de fato, significa dar ao homem o conhecimento de Deus e do mal, coisas impossíveis de compreender. De fato não podemos compreender ou conhecer a própria essência de Deus que é ser infinito e transcendente, impossível de ser captado por nosso intelecto. Também não podemos entender o mal e o pecado: o mal enquanto ser não existe, e o mal moral não tem razão que o justifique.
Assim, a gnose pretende oferecer ao homem um conhecimento natural que o colocaria em posição de compreender - e portanto superar - a Deus, de compreender a mal, e, ademais, de conhecer sua natureza mais íntima, que seria divina.
A gnose é então a religião que oferece ao homem o conhecimento do bem e do mal.
Ora, sabe-se que a árvore do fruto proibido do Éden era exatamente a árvore do conhecimento ou ciência do bem e do mal (Gen. II,10). Assim, teria sido a gnose a tentação de Adão. Com efeito, a serpente prometeu a nossos primeiros pais que, se comessem o fruto proibido, "seriam como deuses, conhecendo o bem e o mal" (Gen., III,5). A tentação de Adão e Eva foi a de se tornarem deuses. Essa é a grande tentação do homem, que, levado pelo orgulho, como Lúcifer, não admite sua finitude, não aceita sua contingência.
Essa tentação é, de fato, uma revolta anti-metafísica. Ora, é esse um outro modo de conceituar a gnose: uma revolta anti-metafísica.
Se admitirmos essa interpretação da tentação adâmica, teremos que concluir existência uma continuidade da gnose na História. E é o que constatam os estudiosos: a gnose apresenta-se realmente como uma religião ora oculta, ora pública, mantendo porém unidade e continuidade no transcorrer da História.
Ladislao Mittner, ao estudar o pietismo protestante, seita mística e gnóstica oriunda dos tratados de Jacob Boehme e fundada por Spenner liga essa seita a uma única grande corrente gnóstica existente na História.
Para representar a unidade do fenômeno religioso gnóstico, Mittner usa a imagem muito própria e muito cogente do rio cársico.
No Carso, região calcárea da ex-Iugoslávia, há rios que de repente desaparecem na solo extremamente permeável de calcáreo e passam a correr subterraneamente, voltando a aparecer na superfície muitos quilômetros além. Rio cársico é aquele que aparece e desaparece, tornando-se ora visível ora oculto em seu percurso.
Mittner diz que "é quase impossível distinguir o pietismo das muitas outras seitas religiosas da época. Filões singulares do movimento apresentam fenômenos cársicos: aparecem, desaparecem, e, de repente, reaparecem mais além, sem que a identidade do filão possa ser propriamente demostrada".
Assim é a gnose: na história, ela é um fenômeno religioso do tipo cársico.
Essa unidade histórica da gnose através dos tempos e civilizações é constatada por muitos autores. Dennis de Rougemont, por exemplo, escreve:
"Mais perto de nós que Platão e os drúidas, uma espécie de unidade mística do mundo indo-europeu se desenha como em filigrama no plano de fundo das heresias da Idade Média. Se nós abraçamos o domínio geográfico e histórico que vai da Índia à Bretanha, constatamos que uma religião aí se espalhou, para falar a verdade, de um modo subterrâneo, desde o século III de nossa era, sincretizando o conjunto dos mitos do Dia e da Noite tal como eles tinham sido elaborados inicialmente na Pérsia, depois nos segredos gnósticos e órficos e é a fé maniquéia".
Por sua vez, H. I. Marrou atesta:
"(...) da fato, a gnose e seu dualismo pessimista exprimem umas das tendências mais profundas do espírito humano, uma das duas ou três opções fundamentais entre as quais o homem deve finalmente escolher. Claude Tresmontant mostrou bem a permanência da tentação gnóstica, sem cessar reaparecida, sob formas diversas no pensamento ocidental no curso de sua história nos Bogomilas e Cátaros da Idade Média, em Spinoza, Leibnitz, Fichte, Schelling, Hegel. Poder-se-ia continuar esta história além do romantismo alemão e até nossos dias: o destino de Simone Weil é particularmente muito significativo; foi bem o seu neo-gnosticismo que a deteve finalmente na soleira da Igreja e sua herança se reencontrava na obra histórica de sua amiga e discípula Simone de Pétrement".
O tema, além de misterioso e fascinante, é muito atual. Voltaremos a ele, a fim de informar nossos amigos leitores sobre as brumas que envolveram nossa época após o Vaticano II e o fim do Marxismo.


BULA QUO PRIMUM TEMPORE

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BULA QUO PRIMUM TEMPORE - Papa S. Pio V
BULA "QUO PRIMUM TEMPORE"

Papa S. Pio V

14.07.1570
PIO BISPO
Servo dos Servos de Deus
(Para perpétua memória)

1 - Desde que fomos elevados ao ápice da Hierarquia Apostólica, de bom grado aplicamos nosso zelo e nossas forças e dirigimos todos os nossos pensamentos no sentido de conservar na sua pureza tudo o que diz respeito ao culto da Igreja; o que nos esforçamos por preparar e, com a ajuda de Deus, realizar com todo o cuidado possível.
2 - Ora, entre outros decretos do Santo Concílio de Trento cabia-nos estabelecer a edição e correção dos livros santos: Catecismo, Missal e Breviário.
3 - Com a graça de Deus, já foi publicado o Catecismo, destinado à instrução do povo, e corrigido o Breviário, para que se tributem a Deus os devidos louvores. Outrossim, para que ao Breviário correspondesse o Missal, como é justo e conveniente (já que é soberanamente oportuno que, na Igreja de Deus, haja uma só maneira de salmodiar e um só rito para celebrar a Missa), parecia-nos necessário providenciar, o mais cedo possível, o restante desta tarefa, ou seja, a edição do Missal.
4 - Para tanto, julgamos dever confiar este trabalho a uma comissão de homens eruditos. Estes começaram por cotejar cuidadosamente todos os textos com os antigos de nossa Biblioteca Vaticana e com outros, quer corrigidos, quer sem alteração, que foram requisitados de toda parte. Depois, tendo consultado os escritos dos antigos e de autores aprovados, que nos deixaram documentos relativos à organização destes mesmos ritos, eles restituíram o Missal propriamente dito à norma e ao rito dos Santos Padres.
5 - Este Missal assim revisto e corrigido, Nós, após madura reflexão, mandamos que seja impresso e publicado em Roma, a fim de que todos possam tirar os frutos desta disposição e do trabalho empreendido, de tal sorte que os padres saibam de que preces devem servir-se e quais os ritos, quais as cerimônias, que devem observar doravante na celebração das Missas.
6 - E a fim de que todos, e em todos os lugares, adotem e observem as tradições da Santa Igreja Romana, Mãe e Mestra de todas as Igrejas, decretamos e ordenamos que a Missa, no futuro e para sempre, não seja cantada nem rezada de modo diferente do que esta, conforme o Missal publicado por Nós, em todas as Igrejas: nas Igrejas Patriarcais, Catedrais, Colegiais, Paroquiais, quer seculares quer regulares, de qualquer Ordem ou Mosteiro que seja, de homens ou de mulheres, inclusive os das Ordens Militares, igualmente nas Igrejas ou Capelas sem encargo de almas nas quais a Missa conventual deve, segundo o direito ou por costume, ser celebrada em voz alta com coro, ou em voz baixa, segundo o rito da Igreja Romana, ainda quando estas mesmas Igrejas, de qualquer modo isentas, estejam munidas de um indulto da Sé Apostólica, de costume, de um privilégio, até de um juramento, de uma confirmação apostólica ou de quaisquer outras espécies de faculdades. A não ser que, ou por uma instituição aprovada desde a origem pela Sé Apostólica, ou então em virtude de um costume, a celebração destas Missas nessas mesmas Igrejas tenha um uso ininterrupto superior a 200 anos. A estas Igrejas Nós, de maneira nenhuma, suprimimos nem a referida instituição, nem seu costume de celebrar a Missa; mas, se este Missal que acabamos de editar lhes agrada mais, com o consentimento do Bispo ou do Prelado, junto com o de todo Capítulo, concedemos-lhes a permissão, não obstante quaisquer disposições em contrário, de poder celebrar a Missa segundo este Missal.
7 - Quanto a todas as outras sobreditas Igrejas, por Nossa presente Constituição, que será válida para sempre, Nós decretamos e ordenamos, sob pena de nossa indignação, que o uso de seus missais próprios seja supresso e sejam eles radical e totalmente rejeitados; e, quanto ao Nosso presente Missal recentemente publicado, nada jamais lhe deverá ser acrescentado, nem supresso, nem modificado. Ordenamos a todos e a cada um dos Patriarcas, Administradores das referidas Igrejas, bem como a todas as outras pessoas revestidas de alguma dignidade eclesiástica, mesmo Cardeais da Santa Igreja Romana, ou dotados de qualquer outro grau ou preeminência, e em nome da santa obediência, rigorosamente prescrevemos que todas as outras práticas, todos os outros ritos, sem exceção, de outros missais, por mais antigos que sejam, observados por costume até o presente, sejam por eles absolutamente abandonados para o futuro e totalmente rejeitados; cantem ou rezem a Missa segundo o rito, o modo e a norma por Nós indicados no presente Missal, e na celebração da Missa, não tenha a audácia de acrescentar outras cerimônias nem de recitar outras orações senão as que estão contidas neste Missal.
8 - Além disso, em virtude de Nossa Autoridade Apostólica, pelo teor da presente Bula, concedemos e damos o indulto seguinte: que, doravante, para cantar ou rezar a Missa em qualquer Igreja, se possa, sem restrição seguir este Missal com permissão e poder de usá-lo livre e licitamente, sem nenhum escrúpulo de consciência e sem que se possa encorrer em nenhuma pena, sentença e censura, e isto para sempre.
9 - Da mesma forma decretamos e declaramos que os Prelados, Administradores, Cônegos, Capelães e todos os outros Padres seculares, designados com qualquer denominação, ou Regulares, de qualquer Ordem, não sejam obrigados a celebrar a Missa de outro modo que o por Nós ordenado; nem sejam coagidos e forçados, por quem quer que seja, a modificar o presente Missal, e a presente Bula não poderá jamais, em tempo algum, ser revogada nem modificada, mas permanecerá sempre firme e válida, em toda a sua força.
10 - Não obstante todas as decisões e costumes contrários anteriores, de qualquer espécie: Constituições e Ordenações Apostólicas, ou Constituições e Ordenações, tanto gerais como especiais, publicadas em Concílios Provinciais e Sinodais; não obstante também o uso das Igrejas acima enumeradas, ainda que autorizado por uma prescrição bastante longa e imemorial, mas que não remonte a mais de 200 anos.
11 -Queremos e, pela mesma autoridade, decretamos que, depois da publicação de Nossa presente Constituição e deste Missal, todos os padres sejam obrigados a cantar ou celebrar a Missa de acordo com ele: os que estão na Cúria Romana, após um mês; os que habitam aquém dos Alpes, dentro de três meses; e os que habitam além das montanhas, após seis meses ou assim que encontrem este Missal à venda.
12 - E para que em todos os lugares da Terra este Missal seja conservado sem corrupção e isento de incorreções e erros, por nossa Autoridade Apostólica e em virtude das presentes, proibimos a todos os impressores domiciliados nos lugares submetidos, direta ou indiretamente, à Nossa autoridade e à Santa Igreja Romana, sob pena de confiscação dos livros e de uma multa de 200 ducados de ouro, pagáveis à Câmara Apostólica, bem como aos outros domiciliados em qualquer outro lugar do mundo, sob pena de excomunhão ipso facto e de outras penas a Nosso alvitre, se arroguem, por temerária audácia, o direito de imprimir, oferecer ou aceitar esta Missa, de qualquer maneira, sem nossa permissão, ou sem uma licença especial de um Comissário Apostólico por Nós estabelecido, para estes casos, nos países interessados, e sem que antes, este Comissário ateste plenamente que confrontou com o Missal impresso em Roma, segundo a impressão típica, um exemplar do Missal destinado ao mesmo impressor, que lhe sirva de modelo para imprimir os outros, e que este concorda com aquele e dele não difere absolutamente em nada.
13 - E como seria difícil transmitir a presente Bula a todos os lugares do mundo cristão e levá-la imediatamente ao conhecimento de todos, ordenamos que, segundo o costume, ela seja publicada e afixada às portas da Basílica do Príncipe dos Apóstolos e da Chancelaria Apostólica, bem como no Campo de Flora. Ordenamos igualmente que aos exemplares mesmo impressos desta Bula, subscritos pela mão de um tabelião público e munidos, outrossim, do Selo de uma pessoa constituída em dignidade eclesiástica, seja dada, no mundo inteiro, a mesma fé inquebrantável que se daria à presente, caso mostrada ou exibida.
14 - Assim, portanto, que a ninguém absolutamente seja permitido infringir ou, por temerária audácia, se opor à presente disposição de nossa permissão, estatuto, ordenação, mandato, preceito, concessão, indulto, declaração, vontade, decreto e proibição.

Se alguém, contudo, tiver a audácia de atentar contra estas disposições, saiba que incorrerá na indignação de Deus Todo-poderoso e de seus bemaventurados Apóstolos Pedro e Paulo.

Dado em Roma perto de São Pedro, no ano da Encarnação do Senhor mil quinhentos e setenta, no dia 14 de Julho, quinto de Nosso Pontificado – Pio Papa V.

No ano de 1570, indict. 13, no dia 19 de Julho, 5º ano do Pontificado do nosso Santo Padre em Cristo Pio V, Papa pela Providência divina, as cartas anexas foram publicadas e afixadas nas portas da Basílica do Príncipe dos Apóstolos e da Chancelaria Apostólica e de igual maneira à extremidade do Campo Flora como de costume, por nós Jean Roger e Philibert Cappuis, camareiros, Scipico de Ottaviani, Primeiro Camareiro.

Estudo sobre BULA QUO PRIMUM TEMPORE - Papa S. Pio V

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ESTUDO DO PADRE RAYMOND DULAC SOBRE A BULA QUE
PROMULGOU O MISSAL ROMANO

A primeira intenção do presente estudo era apenas a de oferecer uma tradução deste documento, que tem uma enorme importância e que no entanto ainda hoje é praticamente desconhecido dos fiéis e até mesmo de muitos padres. Quantos entre estes já o leram e estudaram?... Alguns não sabem nem onde o encontrar.

É preciso também reconhecer que a leitura desta Bula no original é bem difícil. Alguns termos são de custosa tradução por causa do uso jurídico que lhes dá um sentido rigorosamente preciso, por vezes fora do uso corrente.

As frases também são de uma complexidade raramente encontrada, devido às extensas enumerações com minuciosos pormenores e trechos intercalados de difícil seqüência com orações subordinadas, umas dentro de outras.
Além disso, e quanto à matéria, as decisões editadas pelo documento são de várias espécies e um leitor menos atento poderia confundi-las não sendo conhecedor da tradição canônica em matéria legislativa.
Enfim, o sentido profundo da Bula só pode ser bem apreendido se for situado na circunstância histórica que a provocou, exigindo esta por sua vez ser esclarecida pela própria história do Missal Romano desde suas origens até a época do Concílio de Trento.

Por causa destas diversas considerações achamos melhor dar à nossa tradução da Bula, uma introdução histórica e fazer no final uma exposição jurídica como esclarecimento de muitas das diretivas da Bula de São Pio V sobre o Missal Romano restaurado.
Sim, porque trata-se somente de uma restauração e não de uma reforma que teria modificado a economia do rito tradicional. O título de nossos missais de uso litúrgico, dizem claramente: Missale Restitutum, Recognitum, isto é, restituído à sua forma original, restabelecido e com este fim simplesmente revisto. Voltaremos a este ponto mas desde já devemos assinalá-lo seja pelo menos para reparar na enorme distância entre a obra de São Pio V e a que Paulo VI (Concílio Vaticano II) realizou ajudado por seus "peritos".

BREVE HISTÓRICO DO MISSAL ROMANO

Faremos um simples resumo, esforçando-nos de lembrar apenas as linhas certas e essenciais desta longa história. Para bem compreender a Missa Romana (Tridentina), tal com se apresentava aos Padres Conciliares de Trento e ao Papa São Pio V, é necessário descobrir seu devido lugar dentro da evolução geral da liturgia eucarística.

1 - Os Apóstolos tinham recebido do Senhor, na véspera de sua Paixão, o poder e o mandamento de celebrar o Sacrifício da Nova Aliança. Deveriam para isso refazer, em memória dele, ISTO que Ele mesmo tinha feito naquele dia, oferecer sob as espécies do pão e do vinho transubstanciados no Seu Corpo e no Seu Sangue em virtude de Suas palavras, a Vítima propiciatória imolada na Cruz de uma maneira sangrenta.

2 - Os mais antigos documentos, nos mostram quão os Apóstolos e seus sucessores observaram fielmente esta ordem.
Pela própria natureza das coisas e com a autoridade recebida do próprio Cristo ou do Espírito de Pentecostes, os Apóstolos deviam completar a simples repetição dos gestos da Quinta Feira Santa com um conjunto de ritos. Iam eles tornar solenes sua "comemoração" e fazer dela uma verdadeira cerimônia religiosa.
Esta cerimônia não tinha por fim somente manter um sentimento interior de fidelidade à uma lembrança cujo mérito variasse segundo as disposições subjetivas do celebrante e dos participantes. Ela iria ter os efeitos objetivos de um ATO, efeitos esses realizados em virtude da própria instituição de Jesus Cristo, que quis estar presente sob as espécies sacramentais. Uma única condição: que o padre humano se faça instrumento exato do Sacerdócio único e soberano, conformando-se por sua fé e por sua intenção à Vontade Daquele que é Senhor de seus dons:

"Fazei isto"

3 - Houve assim, na origem, em todas as igrejas locais do Oriente e do Ocidente, um rito mais ou menos uniforme, que vem atestado por alusões dos mais antigos Padres da Igreja: Doutrina dos Doze Apóstolos (Didachê), primeira Epístola de Clemente aos Coríntios, Epístola de Barnabé, cartas de Santo Inácio, de São Justino, Santo Irineu, etc.
Este rito, ainda um tanto indeterminado nos pormenores, deixando lugar a certas improvisações, iria, no correr dos três primeiros séculos, se cristalizar pouco a pouco em alguns ritos-típicos que deveriam se fixar numa determinada forma em conformidade ao gênio particular de cada povo.

4 - Assim é que, a partir do século IV, se conhecem quatro tipos gerais de liturgia eucarística’ das quais três tiveram sua formação ao redor das grandes igrejas patriarcais: Antioquia, Alexandria e Roma.
São estes os "ritos-fontes". Com um quarto, o rito dito "galicano", estão na origem dos ritos "derivados" que serão finalmente celebrados em todo o mundo católico.
O rito romano era, na origem, apenas o rito celebrado somente na cidade de Roma. Foi somente depois do século VIII que se espalhou por todo o Ocidente com algumas exceções, suplantando os outros ritos ocidentais dos quais sofrera influências e aos quais emprestara detalhes.
São estes ritos ocidentais, latinos mas não romanos, que foram reunidos sob a apelação genérica de rito galicano. Título comum que compreende tanto o rito observado na Gália quanto, com algumas variantes, na Espanha, na Bretanha, no norte da Itália e em outras regiões.
Os historiadores não estão de acordo sobre as origens desse rito, mas parece certo que o mesmo constitui um uso diferente do de Roma. Os dois de desenvolvem paralelamente, sofrendo influências recíprocas, dos séculos VI ao VIII, até o momento em que o galicano é absorvido pelo romano sob a influência de grandes missionários: Santo Agostinho, na Inglaterra (597) e São Bonifácio na Germânia (+754); sob a influência também de Carlos Magno que, desejando para seu reino uma uniformidade litúrgica, deu-lhe como base o rito observado em Roma.
Os únicos sobreviventes do rito galicano comum foram o rito dito "mozarábico", usado em toda a Espanha até o século XI e que subsiste ainda em Toledo e do rito denominado "ambroziano", ainda hoje observado em Milão.

5 - Tendo se imposto definitivamente em todo o Ocidente entre os séculos XI e XII, o rito Romano deveria no entanto sofrer em diferentes graus depois dessa data, influências locais que iriam produzir certas variantes as quais se podem a rigor qualificar como ritos mas que, na verdade, são somente formas variadas muito secundárias oriundas da mesma fonte. Assim em Lião, Treves, Salisbury, etc.
Essas formas variadas que aqui mencionamos, são mais conhecidas devido à importância das cidades, mas o estudo dos Missais da Idade Média nos mostra que quase cada uma das catedrais tinha suas particularidades litúrgicas cuja prática se estendia mais ou menos pelas regiões vizinhas.
Em que consistiram? Em acréscimos exuberantes puramente ornamentais ou piedosos: festas locais, procissões, cerimônias simbólicas, orações e cantos acrescentados, textos "recheados", Sequências, Prefácios suplementares...

A estas variedades segundo os lugares, se ajuntavam outras próprias das famílias religiosas: Carmos, Cartuxos, Dominicanos.
Mas frisamo-lo bem: nenhuma delas constituía um rito distinto. Todos pertenciam indubitavelmente ao tronco comum original do rito Romano tal como fora fixado no tempo do Papa São Gregório (590-604), se bem que com alguns acréscimos "galicanos" posteriores. Os antigos "sacramentais" romanos, o "Leonino", o "Gelasiano", o "Gregoriano", que são como ancestrais do nosso Missal e que foram escritos respectivamente entre o V e o VII séculos, nos dão uma ordenação da Missa idêntica a que São Pio V devia canonizar na sua Bula.
Segundo o liturgista inglês Fortescue:
"Desde o tempo de São Gregório, considera-se o texto, a ordem e a disposição da Missa como uma tradição sagrada à qual ninguém ousa tocar, senão em detalhes sem importância.

6 - Posta em paralelo a Missa Romana com todas as liturgias orientais, sem exceção, tanto as "cismáticas" quanto as "uniáticas", constata-se que certas cerimônias são rigorosamente idênticas quanto ao essencial: intocadas, verdadeiramente sagradas porque pertenciam à instituição de Jesus Cristo ou dos Apóstolos. Reconhecidas como essencialmente necessárias para que o padre pudesse realizar "ISTO" que o Senhor realizara na Ceia.
E verdadeiramente indispensáveis para que a Missa fosse e parecesse um sacrifício no sentido próprio e pleno do termo, isto é, uma oblação atual, pessoal, feita em nome da Igreja por um padre ordenado, da vítima imolada no Calvário; estando esta vítima realmente presente sobre o altar em virtude da consagração do pão e do vinho que os converte substancialmente no Corpo e no Sangue de Jesus Cristo pelas palavras da instituição repetidas, "em memória" Dele.
São quatro as partes imutáveis da liturgia eucarística mas com diferentes graus de importância quanto à essência do rito:

1 - O ofertório: é a dedicatória prévia do pão e do vinho, que assim se tornam "oblatas".

2 - O cânon, também chamado ação. É a "prex" dos latinos e "anáfora" para os gregos: oração consecratória que começa em forma de ação de graças para se conformar ao gesto de Nosso Senhor que "deu Graças" a Seu Pai antes de "abençoar" o pão e o vinho e de os consagrar.
Nesta oração é que estão inseridas as outras partes do rito consecratório, a saber:
- O memorial da Ceia que precede as palavras da instituição: "Tomai... isto é meu Corpo".
- Antes ou depois uma invocação mais ou menos explícita ao Espírito Santo, o epiclésio. Este é difícil de ser situado de modo exato na Missa Romana.
- Depois das palavras da instituição que consagra as oblatas, encontra-se uma oração que vem afirmar que o padre e todos os participantes ao sacrifício agem, cada um em sua posição essencialmente diferente, "em memória de Jesus Cristo como Ele próprio ordenou". É a anamnese.

3 - Segue a fração: para repetir o gesto do Senhor que "rompeu" o pão antes de distribui-lo aos Apóstolos.
A Fração é acompanhada da commixão, pela qual um fragmento do pão sagrado é mergulhado no vinho consagrado.

4 - Finalmente a comunhão. A maneira de dá-la e de recebê-la, os cânticos ou orações que a precedem, a acompanham e a sucedem variam segundo os ritos locais.
Aos quatro ritos que acabamos de descrever e que estão diretamente ligados ao ato do Sacrifício, se ajuntavam outros que os enquadravam, completando ou ornamentando sua significação religiosa e inspiração cristã. Ritos que todo o mundo reconhecia como secundários mesmo quando a fidelidade, fortalecida pelo uso, deles faria questão.
Secundários seriam: O ósculo da paz. Está quase sempre presente com atribuições e maneiras variadas de fazê-lo. Em seguida: leituras, ladainhas, procissões, hinos e a homilia.
Não esqueçamos a divisão do ofício entre "Missa dos catecúmenos" e "Missa dos Fiéis". E de passagem observamos que a expressão "Liturgia da Palavra" permanece totalmente desconhecida desde as origens até aos tempos do Vaticano II. Aliás é contraditória nos próprios termos: etimologicamente a palavra "liturgia" designa uma "ação". Ora, exceção feita aos tagarelas, a palavra não é um ato. Certamente quando esta palavra é divina, ela é "espírito de vida". A este título deve ter lugar eminente dentro do ato da Missa, mas ela não é este ato, ou seja, a Missa não é a liturgia da Palavra e sim o Sacrifício Propiciatório de Jesus. Provando assim que as Leituras eram nitidamente distintas da Missa.
É melhor usar de franqueza: o lugar cada vez mais preponderante dado, nas Missas pós-conciliares, à "palavra", divina ou humana, é uma concessão feita aos protestantes para os quais a palavra é tudo.

Uma observação sobre o Ofertório:
Descrita a Missa Romana, em suas partes essenciais, tal com era celebrada por todo o Ocidente antes do Concílio de Trento (excetuando-se Milão e Toledo), devemos deter-nos a uma de suas partes : o ofertório. Veremos melhor assim num exemplo característico, a distância infinita que separa a "restituição" do antigo Missal feita por Pio V e a "reforma" de Paulo VI.
É sabido que os reformadores modernos do rito milenar canonizado pelos Padres do Concílio de Trento e por Pio V, quiseram (ou fingiram querer) "simplificar" o Ofertório. Esta reclamação teria uma aparência de verdade se os gestos e as palavras do nosso ofertório tivessem um valor absoluto subsistente nele mesmo. Ora, seu significado é inteiramente outro e expressamente ordenado a outra coisa. Tem uma realidade certa mas a realidade das coisas relativas: "esse ad".
Em verdade o que se passa nesse momento?
O pão e o vinho, ainda comuns e profanos, são trazidos ao altar e depois dados à Santíssima Trindade segundo um rito especial de oferenda. Este rito os separa do uso comum e profano, os dedica e os prepara para a transubstanciação.
Para que? Para uma outra oblação: a oblação propriamente sacrificial que será daí a pouco consumada no e pelo ato de sua própria consagração.
Este é o Ofertório que Lutero iria procurar destruir, não tem de modo algum o sentido do gesto da gratidão humana ao seu criador pelo pão e pela uva nem o da restituição das premissas ao Senhor de todas as coisas, conforme judeus e pagãos sempre tinham feito (é como a Missa de Paulo VI faz, no seu novo rito ecumênico e teillardiano).

Na liturgia (de sempre) romana da Missa, o pão e o vinho se tornam pelo ofertório as oblatas, como são comumente designados em inúmeros textos: isto é um verdadeiro sacrifício, MAS um sacrifício preparatório, um sacrifício à espera, assim como um vir a ser.
E são estas oblatas, já reservadas, que serão em seguida santificadas, no sentido pleno do termo, que vão entrar no único sacrifício agradável a Deus: o da Ceia e do Calvário.
Mas estas oblatas só entram aí para se perderem. Se perderem como?
- Não por uma "trans-finalização" ou "trans-significação" que deixariam toda a sua natureza intacta, como o imaginam os calvinos (protestantes) da igreja holandesa: haveria então somente uma mudança simbólica;
- Não por uma simples transformação em sua própria matéria, tal como acontece nas mutações físico-químicas que deixam, estas sim, a matéria intacta: haveria então simples associação justaposta de dois sacrifícios sucessivos, o do padre, humano, e o de Cristo;
- Não por uma aniquilação das duas oblatas, que apagaria então a oblação do padre, substituindo-a pura e simplesmente pela de Cristo;

Mas por uma conversão total de substância em substância.

Então e somente então, o sacrifício do homem, real atual, pessoal, está verdadeiramente confundido com aquele do Senhor; mas o rito do ofertório os tinha antecipadamente e momentaneamente distinguido. O homem trouxe sua parte e o Cristo a assumiu.
Eis aí porque, sob formas bem variadas mas sempre muito expressivas, este rito é encontrado sem exceção em todas as liturgias. E é neste sentido que podemos dizer que o mesmo faz parte "integrante" da Missa.
Integrante, no sentido filosófico do termo: parte de um ser que não constitui sua natureza mas que lhe dá o acabamento conveniente e harmonioso.
Tal era então a Missa romana, a que o Papa Gregório o Grande tinha celebrado, e Agostinho de Cantorbery, Ambrósio de Metz, Bernold de Constance, João Beletk, Tomás de Aquino, Durand de Mende, Gerson e uma multidão de padrezinhos do interior cujos nomes estão inscritos no Livro da Vida.

...E também o monge Martinho Lutero, durante quinze anos, antes que seu demônio de guarda lhe revelasse que esta Missa era a abominação da desolação (como ele próprio contou em narração inimaginável que seria interessante publicar novamente nesses tempos perturbados).

Mil anos de posse pacífica, feliz, a reconciliar, consolar, confortar iluminar e santificar milhões de almas... quantos Santos esta Santa Missa formou? Muitíssimos!

Então veio Lutero com sua tropa disparatada e equívoca.
É preciso dizer, o que ainda não se fez suficientemente, que a revolução protestante foi antes de tudo uma revolução laicista e anti-sacerdotal. Se o monge agostiniano e os seus se lançaram tão furiosamente contra a economia dos Sacramentos e da Missa, é principalmente porque sua grande gana era o sacerdócio.
E atacaram o padre porque o tinham sido e queriam deixar de sê-lo. Toda sua "Teologia" de uma salvação puramente interior, sem mediação humana, fora forjada simplesmente para mascarar sua deserção. A teologia protestante da graça e da fé é uma teologia de "defroqué" que procuram assim justificar sua própria traição.
Não seria sobretudo, como o próprio Lutero escreveu, o cuidado de conseguir "com segurança e felicidade" (tuto et feliciter) o fim colimado procedendo por etapas, como outros entre nós o disseram desde 1963? Criar assim, sem abalos violentos nos costumes seculares dos povos, um culto novo que não seria mais sacerdotal?
Os resultados dessas táticas tateantes é o que conhecemos hoje no interior da Igreja desde o final de Vaticano II: anarquia e caos litúrgico. Ao mesmo tempo proliferação de ceias, serviços, cultos, sem regra nem controle que iria fornecer um veículo excepcional para os cismas e heresias. Era urgente unificar e purificar.

Foi o que fez o Concílio de Trento em sua época.

Aqui, como em outras matérias, os padres puseram como principal atenção à sua solidificar a obra doutrinal antes da reforma disciplinar. Ensinar a teologia da Missa e do Sacerdócio: de uma maneira, em primeiro lugar, positiva (os "capítulos") seguida das condenações das heresias correspondentes (os anátemas dos "cânones").
Do próprio culto, o mais urgente a dizer o fora feito a propósito do Cânon, da língua litúrgica e da comunhão em uma só espécie.

Mas não era só isso: era preciso deter o processo da desagregação protestante dos ritos da Missa. Esta estava favorecida pela enorme variedade dos missais católicos e pelos abusos que os padres designavam com nitidez e que enfeixavam em 3 principais: a superstição, a irreverência e a avareza.
Já em Bolonha em 28 de novembro 1547, uma Comissão fora encarregada pelo Concílio de destacar os abusos ou erros "relativos à Missa, às indulgências, ao Purgatório e aos votos monásticos".
Mas foi sobretudo em 1562 que as preocupações ganharam precisão: uma nova Comissão de sete padres é formada em Julho, que cataloga abusos de toda sorte, redige um resumo e por fim uma lista de nove cânones que são submetidos em Setembro à discussão do Concílio.

No se tratava mais do Missal como nos projetos anteriores, onde se podia ler:

"que o sacrifício (res sacra) seja realizado segundo o mesmo rito em toda a parte e por todos, para que a Igreja de Deus tenha somente uma linguagem (unius labii sit) e que não se possa encontrar, entre nós, a menor diferença (dissentio) nessa matéria. Para que se possa chegar a este ponto desejado será talvez necessário tomar as seguintes providências: que todos os Missais, depois de terem sido purificados de orações supersticiosas e apócrifas sejam propostos a todos perfeitamente puros e nítidos (nitida) sem defeitos (íntegra); que sejam idênticos, pelos menos entre todos os padres seculares, salvaguardando os costumes legítimos não abusivos".

"Que certas rubricas bem fixadas (certae) sejam determinadas; os celebrantes deverão observá-las de maneira uniforme, a fim de que o povo não possa ficar chocado ou escandalizado por ritos novos ou diferentes".

Para resumir: "Que os Missais sejam restaurados segundo o uso e costume antigo da Santa Igreja Romana". (2)

O Concílio se separou antes de ter podido realizar por si próprio as resoluções tomadas. Decidiu confiar a tarefa ao Santo Padre para que ele terminasse a obra "segundo o que julgasse bom e sob sua autoridade".
O Papa que era então Pio IV, instituiu para isso uma Comissão especial, mas morreu antes que os trabalhos estivessem concluídos.
Seu sucessor, Pio V, devia confirmá-la a fim de que viesse a realizar as decisões do Concílio nos próprios termos em que foram expressas:
- unificar os Missais;
- purificá-los de qualquer erro;
- reconduzir o rito romano ao tipo exemplar de sua origem;
- torná-lo obrigatório para todos e;
- respeitar, no entanto, os costumes legítimos.

A graça de realizar esta obra eminentemente religiosa fora reservada pela Divina Providência ao Papa do Santo Rosário.
O organizador da vitória de Lepanto, deveria ser, ele próprio, o restaurador do Missal. 

Romantismo Alemão ( 5° Post) - Pietismo

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

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O Pietismo

Desde os primórdios da Reforma, formaram-se duas correntes nesse movimento heterodoxo: uma, mística; e outra, racionalista. O luteranismo oficial representa a segunda corrente, enquanto os movimentos anabatistas (eram pessoas que não concordavam com as práticas católicas e voltavam-se para a bíblia como única fonte confiável sobre Deus, organizando-se e estruturando doutrinas próprias) e milenaristas (os que creem que depois do Apocalipse haverá mil anos de paz, onde Jesus reinará) representam a primeira.

Em Münster, João de Leyde se fez coroar Rei-Messias no cemitério da cidade, e, depois de um reinado de terror, de comunismo e de promiscuidade sexual, Münster, “a Nova Jerusalém", foi tomada de assalto pelas tropas do Bispo da cidade. João de Leyde pereceu na tortura, e, durante séculos, seus ossos ficaram numa jaula de ferro suspensa nas torres da Catedral. Hitler ordenou a destituição dessa jaula, em 1933.

A corrente mística do protestantismo teve seu "profeta" na figura de Jacob Boehme, cujos escritos teosóficos, alquímicos e cabalistas tiveram uma enorme influência na história do pensamento europeu.

Foi da doutrina de Boehme (imagem ao lado) que nasceu o pietismo, religião do "coração", religião do sentimento, oposta ao racionalismo luterano, e do qual nasceriam a filosofia e a escola romântica alemã.

O pietismo teve porém, como fundador propriamente dito, Philipp Jacob Spenner, que, no fim do século XVII, instituiu em Frankfurt "Collegia pietatis", "ecclesiola in Ecclesia", conventículos semi-clandestinos para manter o fervor espiritual dos fiéis que se constituíram em células religiosas, que se multiplicaram na Alemanha.
O pietismo, assim como a anabatismo, os Irmãos do Livre Espírito, e tantas outras seitas místicas, não tem limites definidos. Ele é impreciso como nevoeiro:

1º) porque ele não admitia estrututras e institucionalizações;

2º) porque recusava qualquer dogmatismo. Assim, ele se misturava ecumenicamente com outras seitas protestantes. Mittner compara o pietismo ao afloramento de um rio cársico. Como no Carso, onde os rios afloram e desaparecem na terra, para reaparecer depois quilômetros além, assim também o Pietismo seria um afloramento de um único grande movimento místico que percorre a história.

Por nosso lado, acrescentaríamos que esse grande rio cársico, que ora aparece com um nome, ora volta a ser subterrâneo, para reaparecer com outro nome, mas sempre com as mesmas águas, chama-se Gnose.

O único dogma de que os pietistas faziam questão era o da Redenção por Cristo. A tudo o mais se poderia renunciar em proveito da união dos cristãos. Os pietistas faziam mesmo questão de proclamar o seu espírito de renúncia e de concessão em matéria de fé, porque desejavam veementemente a união de todos os cristãos no amor. Eram absolutamente relativistas e tolerantes. O ecumenismo era a sua felicidade. Se o único dogma de que faziam questão era o da Redenção por Cristo, não se julgue porém que eles o entendiam no sentido comum. Cristo era o Redentor, mas não era Deus. Cristo era, para eles, sobretudo um homem, um irmão, um amigo.

Religião da amizade, o pietismo se preocupava em estabelecer entre o membro da seita e Cristo uma relação de amizade sentimental e igualitária. Para Zinzendorf (imagem ao lado - foi divulgador do protestantismo e fundador da igreja Morávia) um único dogma bastava: o da humanidade de Cristo: a Santíssima Trindade seria formada por "Papai Deus", "Mamãe-Pomba" e "Irmão-Cordeiro". O Espírito Santo, chamado de Mamãe Pomba, era considerado por Zinzendorf como a divina Sofia, ou divina Sabedoria, e a segunda Eva, mãe de todos os crentes. Ora, é curiosa essa confusão do Espírito Santo com a divina Sabedoria, pois que a Sabedoria é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade e não a Terceira. Estas denominações do Espírito Santo como a Divina Sofia, Segunda Eva, ou Mamãe Pomba insinuam uma interpretação sexual da Trindade Divina, própria dos movimentos gnósticos. Na Gnose Valentiniana e na Cabala é que se fala numa Sofia inferior apresentada como elemento feminino em Deus.

Para o pietismo, seguidor de Boehme, o mundo era uma emanação da divindade, e o espírito de Deus se achava espalhado em todos os seres do universo. Esse imanentismo levava o pietismo a ter um culto religioso da natureza, a buscar fundir-se no Todo universal, a procurar estabelecer um contato com os outros homens, e mesmo com as coisas, por meio de uma simpatia universal. O pietista vivia dialeticamente, sentindo Deus distante e, ao mesmo tempo, próximo; Deus "absconditus" e Deus manifesto; e vendo o infinito imanente nas coisas finitas.

O homem deveria buscar a Deus no íntimo de seu coração. Deus falaria a cada pessoa através de seus sentimentos. A razão e a vontade deveriam ser combatidas, pois seriam causas de individualização, e empecilhos, portanto, à fusão no Todo Universal. Era preciso "reentrar" em si mesmo, e, para isto, era necessário combater as qualidades pessoais, egoísticas; resistir às imagens ilusórias dos sentidos, fruto da multiplicidade ilusória da vida real concreta (Cfr. L. Mittner- op. cit. p. 47).

A razão, especialmente, impediria o retorno ao Uno divino, pois ela, definindo as coisas, as separa. Também era preciso renunciar à vontade individual, considerada egoísta, para alcançar uma atitude de indiferença, semelhante à dos budistas e dos esotéricos.

O pietista gostava também de padecer, sofrer pacientemente as doces amarguras da vida. Ele não buscava o prazer e a alegria. Não amava os jogos e as diversões, nem a boa comida. Gostava do que é simples. Era um introvertido em contínua auto-análise, buscada como fim em si mesma.

O pietismo era então organizado em células de três pessoas que deviam ter entre si uma amizade "particular", sentimental e mística. Era o que eles chamavam "o trevo". Os três participantes do trevo deviam estabelecer um pacto de amizade, confirmado, muitas vezes, por uma comunhão. O trevo era o primeiro núcleo, ou célula, de um conventículo pietista. O próprio matrimônio era visto como "amizade conjugal", amizade de almas, de fundo religioso. No matrimônio também se formava, muitas vezes, um trevo ou um triângulo filadélfico entre os dois cônjuges e um terceiro elemento que patrocinara ou favorecera o casamento, renunciando o seu amor por um dos cônjuges. Esse terceiro elemento, que sacrificava o seu amor, era como um substituto de Cristo, um vice-Redentor. Esse amor, entre os pietistas, era chamado amor filadélfico, e se opunha ao amor filantrópico preconizado pelos racionalistas, que mandavam amar igualmente todos os homens.

Em consonância com essa concepção, Zinzendorf  renunciou a duas noivas, oferecendo-as a outros pietistas, para convertê-los. Casou-se, depois, e sua mulher lhe deu filhos. Então, ele a deixou para um amigo, enquanto partia para os Estados Unidos com uma "irmã" jovem que ia auxiliá-lo na fundação de uma colônia pietista na América. Quando sua mulher morreu, ele se casou com essa jovem.

A mística pietista, como toda mística gnóstica, incluía elementos sexuais. O processo teosófico exposto por Boehme, originado da Cabala, tem conotações desse tipo. Para Boehme, Adão teria sido um ser andrógino que não se conformando em ser o que era, quis ser o que não era, e, como castigo, Deus teria separado os sexos, criando a mulher do flanco de Adão. Zinzendorf e outros pietistas relacionavam a criação de Eva com a chaga do peito de Cristo. Nas cerimônias nupciais organizadas por Zinzendorf, havia símbolos obscenos relacionados com essa chaga.

Caracteristicamente, Susana Von Klettenberg, que iniciou Goethe na Alquimia, desenvolveu toda uma teoria mística do sangue que ela perdia em suas hemoptises de tuberculosa. Aliás, alquimia e pietismo eram estreitamente ligados.

A célula pietista funcionava como um microcosmo. Atuar nela, seria atuar no macrocosmo. Qualquer modificação na célula acarretaria uma modificação no todo universal, conforme as regras da alquimia.

A vida espiritual pietista procurava também analisar continuamente as manifestações do Deus oculto na natureza e na alma. Procurava-se, então, interpretar os "sinais de Deus" nos fenômenos naturais ou nos movimentos da alma. Por isso, os pietistas produziram uma grande quantidade de diários íntimos e cartas edificantes. Procurava-se também vaticinar o futuro, abrindo a Bíblia a esmo e lendo um versículo que manifestaria o futuro, ou a vontade de Deus.

Cabe um paralelo. Enquanto para o iluminismo o mundo era uma grande máquina que a luz da razão podia compreender, para o pietismo, em contraste, o universo era um grande ser vivo, cuja alma era o próprio Deus. A luz não seria a razão, e sim a beleza do universo, definida como esplendor da alma universal.
O misticismo anti-racionalista do pietismo produzia uma aversão a todo formalismo dogmático e litúrgico. Levava a rejeitar toda igreja constituída, toda institucionalização e hierarquia.

Por isso, os pietistas preferiam reunir-se nas casas, a fazê-lo nas igrejas. Em suas reuniões, lia-se a Bíblia, cantavam-se hinos sacros, incentivavam-se as pessoas mutuamente com discursos piedosos. Nessas reuniões não havia chefes ou presidentes, mas sim um círculo de elementos iguais, no qual o Espírito se manifestava livremente: Estas células constituíam pequenas igrejas na Igreja, "ecclesiolae in Ecclesia". Igualitarismo e ecumenismo eram notas características do pietismo.

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