Romantismo Alemão ( 6° Post) - veio filosófico

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010


C. O veio filosófico


O terceiro veio formador do Romantismo é de natureza filosófica e está intimamente ligado ao veio religioso, pois vem beber os pensamentos de Jacob Boehme. Com efeito, os filósofos idealistas alemães, Fichte, Schelling e Hegel, adotaram linguagem e idéias dos místicos na exposição de seus sistemas, particularmente as de Mestre Eckart e de Jacob Boehme, como veremos mais adiante. Em todos esses filósofos foi também grande a influência do pietismo e da Cabala.
Historicamente, a ligação entre Boehme e os filósofos do Romantismo alemão fez-se por meio de dois teólogos pietistas: Bengel e Oetinger.

John Albrecht Bengel (1687-1752) foi membro do clero protestante e pietista da Suábia. Escreveu várias obras sobre o Novo Testamento, e especialmente sobre o Apocalipse. A preocupação pietista com os "sinais dos tempos", revelação de Deus na história, e a expectativa do advento do Reino de Deus na terra - o "tempo dos lírios" (o "Lilienzeit" de Jacob Boehme) - levaram Bengel a buscar no Apocalipse e na História o desvendamento do futuro. Para Bengel, Deus revelava-se a si mesmo na História, através de um plano providencial, que era combatido pelo demônio. Bengel chegava às raias do dualismo ao imaginar uma oposição simétrica entre a Santíssima Trindade e uma Maligníssima Trindade infernal que se combateriam na História. Todas as ações dos homens, mesmo as piores, acabariam concorrendo para a realização do plano divino. Em Hegel, um pensamento parecido será expresso na teoria da "astúcia da razão".
"Em Bengel, é Deus que se realiza na História da Humanidade, passo a passo, conforme um plano providencial preciso, visando edificar o seu Reino que efetivamente será atingido no final da História sob o comando de Cristo, no reino de mil anos" (Ernst Benz - op. cit. p. 46).
Esse mesmo autor mostra como o evolucionismo histórico dos místicos e filósofos idealistas alemães tem caráter gnóstico.
"Este processo da auto-manifestação de Deus implica e compreende também sua manifestação no universo; é um processo tanto criador e conservador quanto esotérico. A evolução do universo através dos diferentes reinos da matéria inorgânica, das plantas, dos animais, do homem, aparecem tanto nesse processo teogônico quanto na soteriologia (estudo da salvação humana), que forma uma espécie de prolongamento ou continuação da evolução criadora no reino da História. Hoje, quando há uma discussão apaixonada sobre a evolução soteriológica do Padre Teilhard de Chardin, é preciso lembrar que o termo evolução não foi introduzido primeiramente pelos sábios das ciências naturais do século XIX em torno de Charles Darwin, mas que o termo foi introduzido como um termo teológico e soteriológico pelos teósofos do século XVIII. Foi assim que ele foi adotado pelos filósofos do idealismo alemão, Hegel, Schelling, Baader, como termo soteriológico para descrever o processo teogônico no qual Deus manifesta a si mesmo tanto no universo quanto na soteriologia 'a fim de que Deus seja tudo em todos' (I Cor. XV, 28). Este versículo de São Paulo, que se acha tantas vezes citado por Teilhard de Chardin, é o versículo favorito de Schelling, de Baader, e, antes deles, de Oetinger. Foi Baader quem publicou um escrito sobre "A evolução e o revolucionismo" ou sobre a evolução positiva ou negativa da vida em geral e da vida social em particular nos Anais da Baviera.
Para Bengel, o Apocalipse daria a chave para se compreender a História, assim como também seria a Revelação da própria natureza de Deus. Como Joaquim de Fiore, Bengel procurava fazer paralelismos entre personagens bíblicos e históricos, e dedicou-se a cálculos numéricos para determinar a data do início do Reino de Deus. Acabou concluindo que o reinado da Besta começara em 1143 e, como esse período duraria 666 anos, ele marcou o início do milênio para 1809, tendo mais tarde adiado esse início para 1836.

Friedrich Christopf Oetinger (1692-1782), por sua vez, foi o principal discípulo de Bengel. Estudou em Tubingen, onde se interessou por obras rabínicas e Cabala. Entrou em contato com um grupo cabalista de Frankfurt, ao qual pertenceram o pietista Johann Jacob Schütz e o conselheiro Fende. Este grupo estudava o Zohar e a "Cabala denudata" de Christian Knorr Von Rosenroth. Foi ainda em Frankfurt que Oetinger teve contato com o cabalista judeu Kopel Hecht que, como vimos, o aconselhou a ler Jacob Boehme para conhecer a Cabala.

Como Bengel, Oetinger defende a tese de que Deus se revela na História, especialmente de homens carismáticos como Boehme ou Swedenborg.

Oetinger procurava na História as regras da ação da Providência que permitiriam compreender seguramente a História:
"...regras que se reencontrarão na metafísica histórica do idealismo alemão" (E. Benz - op. cit. p. 44).

No final do processo histórico, Deus seria em cada homem o alfa e o ômega. Haveria então uma grande efusão do Espírito Santo e realizar-se-ia o Reino do Amor, a idade de ouro. Nesse tempo, o homem teria uma "ciência natural" que lhe permitiria compreender perfeitamente a Medicina, o Direito e a Teologia. Schelling dirá a mesma coisa, anos depois.
Oetinger, como todos os teósofos, não acreditava num Deus imutável. Como a Cabala, ele distinguia Divindade e Deus, e não aceitava as processões divinas no sentido Trinitário.

"Logicamente a doutrina cabalística dos Sephiroth conduz Oetinger a criticar o dogma oficial da Igreja a propósito da Trindade; ele acaba por declarar, por isso, que a segunda pessoa da Trindade cristã é, na verdade, a Shekinah (magnificência) tornada homem, enquanto que a identificação da terceira pessoa com o Espírito Santo é devida a uma interpretação errônea da doutrina judaica da Hochmah (Sabedoria). Talvez tais idéias tenham sido inspiradas a Oetinger por Kopel Hecht, que tinha evocado diante dele o caráter estranho dos dogmas cristãos; em todo caso, elas conduziram o autor a evitar, na exposição de sua própria concepção da Trindade, a palavra ‘pessoa’, a fim de que não desse a impressão de triteísmo".

Por isso, Oetinger prefere usar os termos 'sefiroth' ou emanações, e não ‘pessoas’, ao tratar das processões divinas.
Oetinger, como Jacob Boehme e todos os gnósticos, tinha uma concepção dialética do movimento de Deus:

"(...) em seu comentário sobre os sete sephiroth inferiores, Oetinger vai considerar o movimento em Deus, como uma luta entre duas forças contrárias, com uma resolução na perspectiva de uma paz final. O repouso será então o fruto de uma vitória simbolizada pelo nome da sétima sefirá: Netzah. Ora, é esta passagem do estado de guerra ao estado de repouso que Oetinger chamará de actus purissimus. Não se poderia afastar-se mais da noção metafísica de ato puro

Para Oetinger, o Espírito Santo, "aquele que há de vir", o Amor, reuniria não só o Pai e o Filho, mas também Deus com o universo e com todos os homens.
Assim como os cabalistas e, mais tarde, os idealistas, Oetinger considerava que todo espírito sem corpo, ou que não pudesse tê-lo, seria mau. O universo seria o corpo do qual Deus seria a alma. Os conceitos de espírito e matéria seriam correlatos e reversíveis. O espírito seria matéria sublimada. Era em termos alquímicos que Oetinger se expressava:

"O volátil se fixa, e o fixo se volatilisa. Isto significa que o espírito se torna corpo, e o corpo, espírito (...) O perfeito símbolo desta alquimia é Jesus Cristo: em sua pessoa, o espírito revestiu uma forma corporal, e o corpo de carne se espiritualizou com a ressurreição. Esta pessoa é, por excelência, o lugar de encontro entre o espírito e o corpo (...) É universalizando esta verdade que Oetinger declara, de um lado, que tudo é espírito; de outra parte, que tudo o que é espírito, é também corpo".

Estas idéias de que Deus seria a alma do mundo, e de que haveria correspondência entre matéria e espírito, são reencontradas entre os românticos. Segundo elas, a criação teria permitido que a Divindade se refletisse na natureza e, sendo senhora dela, se tornasse Deus e, querendo bem a ela, se tornasse Amor. É isto que explica o culto que os românticos tinham pela natureza.

A natureza seria então boa, enquanto meio necessário para revelar a divindade, embora tivesse sido a sua criação que determinara a existência do mal no próprio Deus. O Reino de Deus viria sanar esse mal, redimindo a natureza e o homem. Nesse Reino, Deus, o Universo e o homem seriam um.

"O Mal, não é a criação em si mesma, como pensavam os gnósticos. O Mal é esta brecha que a Divindade abriu em si mesma para que um mundo distinto pudesse existir. O Reino de Deus é o vazio preenchido. O Reino de Deus exalta a criação em vez de aboli-la. Deus une-se à sua criação na Ekklesia, que é seu corpo espiritual. A alma do Messias, malkulth, é o corpo místico que tem a sutileza da alma com relação à materialidade grosseira, e que é um corpo com relação ao espírito puro".

Oetinger dizia opor-se violentamente aos gnósticos, principalmente a Cerinto, que negava qualquer valor à matéria, mas seu próprio sistema é gnóstico, embora moderado, no que tange ao problema da matéria. Por isso, Déghaye afirma que:
"... a filosofia sagrada de Oetinger deveria ser considerada mesmo como uma gnose anti-gnóstica".

O milenarismo de Oetinger chega até a defender a apocatastasis, isto é, a redenção do próprio demônio, para tornar real a frase: "que Deus seja tudo em todos" (I Cor. 15,28).
Inspirando-se no tempo dos lírios de Boehme e nas teorias de Bengel, Oetinger tem uma concepção do Reino de Deus, ou Reino do Amor, igualitário e comunista, que vai repercutir nos românticos e em Marx.

"Em certo sentido, o quadro da idade de ouro esboçado por Oetinger constitui o molde no qual serão fundidos os esboços do Estado final da sociedade, do Estado ou da sociedade ideal, tais quais nós os encontraremos em Hegel, em Schelling, em Baader, como também em Karl Marx, e é impressionante ver que não só conceitos importantes de Hegel, mas também de Marx figuram na descrição da Idade de Ouro de Oetinger"
Traços característicos desse Reino do Amor de Oetinger são o sacerdócio universal e a igualdade completa dos homens. Por isso, não haverá nesse Reino do Amor propriedade privada. Tudo será possuído em comum.

A terceira condição de felicidade desse Reino é a inexistência de governo e de moeda.
Será o amor que presidirá todas as relações humanas, depois que os homens estiverem libertados da propriedade, e do governo.

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***Para maiores esclarecimentos: não sou adepta deste falso ecumenismo, não sou relativista, não sou sincretista, não tenho a mínima vontade de divulgar heresias; minha intenção não será outra a não ser combater tudo que cito acima!

Por fim, penso que esclarecidas as partes, que sejam bem vindos todos que vierem acrescentar algo mais neste pequeno sítio.