Romantismo Alemão ( 4° Post) - veio religioso

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Cabala


B. O veio religioso


Introdução


Georges Lefebvre (um francês historiador , mais conhecido por seu trabalho sobre a Revolução Francesa e camponeses vida, ele cunhou o termo " história vista de baixo ", que mais tarde foi popularizado pelos historiadores marxistas britânicos), comenta, em sua obra sobre a Revolução Francesa, a importância do misticismo na Alemanha:

"Não foi um acaso, porque em nenhum país o misticismo reinava tanto. Ele anima o luteranismo e, pelo pietismo e os irmãos morávios, há filiação entre Boehme, o sapateiro teósofo do século XVII e os românticos" (Georges Lefèbvre - La Révolution Française, PUF, Paris, 1951, p. 613).

E, mais adiante, falando da filosofia dos românticos, Lefèbvre afirma:

"Eles esboçaram uma filosofia que jamais tomou uma forma coerente e sistemática (...) eles conceberam inicialmente o mundo como o fluxo inesgotável e perpetuamente mutável das criações da força vital; sob a influência dos sábios e de Schelling (filósofo alemão, um dos representantes do Idealismo alemão, assim como Fichte e Hegel), eles aí introduziram uma "simpatia universal" que se manifestava, por exemplo, na afinidade química, no magnetismo e no amor humano; as efusões religiosas tendo-os tocado, eles acabaram por tomar de empréstimo de Boehme a idéia de Centrum, que nada mais é que a alma do mundo e princípio divino. De todo modo, é o artista de gênio que ele, só pela intuição ou mesmo pelo sonho e a magia, entra em contacto com a realidade verdadeira e, nele, esta experiência misteriosa se transforma em obras de arte. O poeta é um sacerdote e esta filosofia se remete ao milagre" (G. lefèbvre, op. cit. pp. 614-615).

Jacob Boehme

Lefèbvre liga, pois, o Romantismo a Boehme e ao pietismo. Jacob Boehme (1575-1624) foi um sapateiro luterano que cresceu em meio às disputas que opunham místicos e alquimistas à ‘ortodoxia luterana’. Embebeu-se das doutrinas dos que ele chamava "altos mestres": Paracelso, Franck, Shwenkfeld, Valentim Weigel, e de outros autores alquimistas, astrólogos e místicos. Suas obras expõem as doutrinas que ele teria recebido por meio de visões místicas. Sua primeira obra foi "Die Morgenröte in Aufgang" (A aurora nascente, 1612).

"Aí a gente acha de tudo: mística, magia, alquimia. 'Teologia, filosofia, astrologia', eis o que Boehme quer aí expor".(Alexandre Koyré- La philosophie de Jacob Boehme, Vrin, Paris, p. 34).

A doutrina de Boehme é extremamente confusa e hermética. A mesma palavra tem, em suas obras, os sentidos mais variados. Para o termo 'natur', Alexandre koyré apresenta mais de dez sentidos diferentes. Além disso, Boehme inventa termos cujo significado não expõe claramente.

"O sistema labiríntico de Boehme, embora mais elaborado do que o dos alquimistas, exigiria em si mesmo um volume de comentário" (Ronald D. Gray - Goethe, the Alquimist, Cambridge University Press, 1952, pp. 38-39).

Sua filosofia tem profundos laços com a alquimia:

"Boehme fez mais do que tomar emprestada uma larga parte de seu vocabulário da alquimia. Ele adotou toda a cosmovisão da alquimia que ele desenvolveu em um sistema filosófico".

Em síntese, Boehme ensina, como a Cabala (clique aqui para saber mais), que se deve fazer uma distinção entre a Divindade e Deus. Aquela não seria ser: seria o vazio, o abismo, o nada absoluto, o "Ungrund" (Cfr. Jacob Boehme - Mysterium Magnum I, 22 - trad. de N. Berdiaeff, Ed d'Aujour'hui,Paris, 1978).

Este "Unngrund" de Jacob Boehme corresponde ao Ein Sof da Cabala (é entendida como a Divindade antes de Sua auto-manifestação na produção do mundo) e ao Deus gnóstico de Basílides e de Valentino.

Do Uno, proviriam dialeticamente a Vontade e o Desejo, respectivamente força centrífuga e centrípeta. A Divindade, para se conhecer, projetar-se-ia ad extra, na "Sofia" ou Virgem Eterna, na qual estariam as idéias ou arquétipos de todas as coisas. É quando se criam as coisas que Deus passa a ser, porque só então passa a ter corpo.(Cfr. A. Koyré, op. cit. pp. 355-357; 360-363).

A criação teria sido o resultado de uma queda irracional da Divindade. Deus teria criado Lúcifer, o qual teria corrompido a criação. Então Deus teria feito uma segunda criação.
Logo, o mal, tanto quanto o bem, teria origem divina. O universo seria vivo. A vida seria o grande fluxo, a Tinctur, que, saindo de Deus, se derrama sobre o universo e reconduz tudo a Deus.

No homem, como em todas as coisas, haveria um “grão” divino que o torna um Microthéos. A renúncia ao ser, à individualidade, ao desejo, reconduziria o homem ao estado divino original. Deste modo, o homem seria redentor de si mesmo. Adão reuniria em si o infinito e o finito, o masculino e o feminino. Ele teria corpo, porém não animalidade, e possuiria poderes mágicos. Sua queda teria sido provocada por seu amor à matéria, e, por isso, teria passado a ter corpo material animalizado, teria perdido seus poderes mágicos e sua intuição, além de ter provocado a separação dos sexos.

O quid (“quase”) divino que haveria no homem seria para ele fonte de revelação pessoal. Por isso, ninguém poderia impor dogmas a ninguém. Em matéria de fé, deveriam reinar liberdade, tolerância e ecumenismo. Por isso, a Bíblia deveria ser interpretada livremente.

A verdadeira igreja, para Boehme, deveria ser invisível e pneumática, porque Cristo pode nascer na alma de pessoas de qualquer religião, até mesmo não cristã. Da Igreja espiritual fariam parte todos os que seguissem sua revelação interior, qualquer que fosse ela, desde que praticassem o Amor. A verdadeira Igreja seria a do Amor. Uma pequena notinha aqui: lendo acima todo texto e finalizando com a afirmativa que a "igreja" seria a do amor, não dá para lembrar muitas afirmações daqueles "católicos" que somente vivem a Misericórdia de Deus (uma misericórdia também distorcida), esquecendo que Ele é Justiça e esquecendo principalmente tudo o que a Igreja ensinou e ensina???)

Em todo ser manifestar-se-ia um processo dialético, pois cada coisa seria feita de sim e de não. A felicidade perfeita viria no final da evolução dialética universal, tudo se reuniria num Cristo cósmico, síntese do espírito e da matéria, do bem e do mal, da luz e das trevas, do masculino e do feminino, do tudo e do nada (cfr. A. Koyré - op. cit. pp393-394).

A doutrina de Boehme, claramente gnóstica, tem relação direta com a Cabala e com a Alquimia. Pontos que apresentam nítido caráter cabalístico são:

a) A tese de que se deve distinguir a Divindade do Deus revelado.

b) A concepção de que a Divindade é incognoscível e é, ao mesmo tempo, Nada e Tudo, como o Ein Sof da Cabala.

c) A idéia de que em Deus, como em tudo, há um choque de princípios opostos.

d) A concepção de que na Divindade há um processo evolutivo.

e) A correspondência entre os dez Sefiroth da Cabala e os três princípios e as sete qualidades divinas de Boehme.vf) A idéia de que o mal tem origem na própria essência de Deus.

f) A crença de que, em Deus, há elementos sexuais, masculino e feminino.

g) A afirmação de que o universo é o corpo de Deus.

h) A tese de que o universo é um ser vivo.

i) A afirmação de que Adão era andrógino, e que ele tinha um corpo não material, antes da queda.

j) A idéia de que Adão já havia caído antes da existência de Eva.

l ) A crença de que foi em conseqüência da queda que Adão passou a ter corpo material, que se deu a separação dos sexos, e que a geração passou a ser por união sexual.

m) O relacionamento do poder mágico com as palavras, assim como o relacionamento do ser com a liberdade.

n) A tese de que a Sagrada Escritura tem um sentido oculto.

Gershom G. Scholem, sem dúvida o melhor conhecedor contemporâneo da mística judaica, diz a esse propósito:

"Não há razão alguma para considerar este relato como mítico; pode-se, aliás, lembrar que, no final do século XVII, um outro adepto da mística de Boehme, Johann Jakob Spaetch, ficou tão impressionado pela afinidade existente entre esta e a Cabala judaica que ele se converteu ao judaísmo". Por outro lado, Scholem afirma que existe "de toda evidência" uma correlação entre as idéias de Boehme e as da cabala teosófica, representada por uma linha de pensadores que ia de Avraham von Franckenberg (seu contemporâneo e biógrafo) até Franz von Baader (1765-1841) (Gerhard Wehr - "Jakob Boehme" in Cahiers de l'Hermétisme, Albin-Michel, paris, 1977, p. 100).

A influência das doutrinas de Jacob Boehme na religião, na filosofia e na arte foi muito grande. Porém, interessa-nos agora tratar apenas de sua influência no campo religioso.


Continua no próximo artigo postado.

0 comentários:

Postar um comentário

Salve Maria!

Que o Espírito Santo conduza suas palavras. E que Deus nos abençoe sempre.

***Caso o comentário seja contrário a fé Católica, contrário a Tradição Católica SERÁ DELETADO, NEM PERCA SEU TEMPO!
***Para maiores esclarecimentos: não sou adepta deste falso ecumenismo, não sou relativista, não sou sincretista, não tenho a mínima vontade de divulgar heresias; minha intenção não será outra a não ser combater tudo que cito acima!

Por fim, penso que esclarecidas as partes, que sejam bem vindos todos que vierem acrescentar algo mais neste pequeno sítio.