Romantismo Alemão ( 5° Post) - Pietismo

terça-feira, 28 de dezembro de 2010


O Pietismo

Desde os primórdios da Reforma, formaram-se duas correntes nesse movimento heterodoxo: uma, mística; e outra, racionalista. O luteranismo oficial representa a segunda corrente, enquanto os movimentos anabatistas (eram pessoas que não concordavam com as práticas católicas e voltavam-se para a bíblia como única fonte confiável sobre Deus, organizando-se e estruturando doutrinas próprias) e milenaristas (os que creem que depois do Apocalipse haverá mil anos de paz, onde Jesus reinará) representam a primeira.

Em Münster, João de Leyde se fez coroar Rei-Messias no cemitério da cidade, e, depois de um reinado de terror, de comunismo e de promiscuidade sexual, Münster, “a Nova Jerusalém", foi tomada de assalto pelas tropas do Bispo da cidade. João de Leyde pereceu na tortura, e, durante séculos, seus ossos ficaram numa jaula de ferro suspensa nas torres da Catedral. Hitler ordenou a destituição dessa jaula, em 1933.

A corrente mística do protestantismo teve seu "profeta" na figura de Jacob Boehme, cujos escritos teosóficos, alquímicos e cabalistas tiveram uma enorme influência na história do pensamento europeu.

Foi da doutrina de Boehme (imagem ao lado) que nasceu o pietismo, religião do "coração", religião do sentimento, oposta ao racionalismo luterano, e do qual nasceriam a filosofia e a escola romântica alemã.

O pietismo teve porém, como fundador propriamente dito, Philipp Jacob Spenner, que, no fim do século XVII, instituiu em Frankfurt "Collegia pietatis", "ecclesiola in Ecclesia", conventículos semi-clandestinos para manter o fervor espiritual dos fiéis que se constituíram em células religiosas, que se multiplicaram na Alemanha.
O pietismo, assim como a anabatismo, os Irmãos do Livre Espírito, e tantas outras seitas místicas, não tem limites definidos. Ele é impreciso como nevoeiro:

1º) porque ele não admitia estrututras e institucionalizações;

2º) porque recusava qualquer dogmatismo. Assim, ele se misturava ecumenicamente com outras seitas protestantes. Mittner compara o pietismo ao afloramento de um rio cársico. Como no Carso, onde os rios afloram e desaparecem na terra, para reaparecer depois quilômetros além, assim também o Pietismo seria um afloramento de um único grande movimento místico que percorre a história.

Por nosso lado, acrescentaríamos que esse grande rio cársico, que ora aparece com um nome, ora volta a ser subterrâneo, para reaparecer com outro nome, mas sempre com as mesmas águas, chama-se Gnose.

O único dogma de que os pietistas faziam questão era o da Redenção por Cristo. A tudo o mais se poderia renunciar em proveito da união dos cristãos. Os pietistas faziam mesmo questão de proclamar o seu espírito de renúncia e de concessão em matéria de fé, porque desejavam veementemente a união de todos os cristãos no amor. Eram absolutamente relativistas e tolerantes. O ecumenismo era a sua felicidade. Se o único dogma de que faziam questão era o da Redenção por Cristo, não se julgue porém que eles o entendiam no sentido comum. Cristo era o Redentor, mas não era Deus. Cristo era, para eles, sobretudo um homem, um irmão, um amigo.

Religião da amizade, o pietismo se preocupava em estabelecer entre o membro da seita e Cristo uma relação de amizade sentimental e igualitária. Para Zinzendorf (imagem ao lado - foi divulgador do protestantismo e fundador da igreja Morávia) um único dogma bastava: o da humanidade de Cristo: a Santíssima Trindade seria formada por "Papai Deus", "Mamãe-Pomba" e "Irmão-Cordeiro". O Espírito Santo, chamado de Mamãe Pomba, era considerado por Zinzendorf como a divina Sofia, ou divina Sabedoria, e a segunda Eva, mãe de todos os crentes. Ora, é curiosa essa confusão do Espírito Santo com a divina Sabedoria, pois que a Sabedoria é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade e não a Terceira. Estas denominações do Espírito Santo como a Divina Sofia, Segunda Eva, ou Mamãe Pomba insinuam uma interpretação sexual da Trindade Divina, própria dos movimentos gnósticos. Na Gnose Valentiniana e na Cabala é que se fala numa Sofia inferior apresentada como elemento feminino em Deus.

Para o pietismo, seguidor de Boehme, o mundo era uma emanação da divindade, e o espírito de Deus se achava espalhado em todos os seres do universo. Esse imanentismo levava o pietismo a ter um culto religioso da natureza, a buscar fundir-se no Todo universal, a procurar estabelecer um contato com os outros homens, e mesmo com as coisas, por meio de uma simpatia universal. O pietista vivia dialeticamente, sentindo Deus distante e, ao mesmo tempo, próximo; Deus "absconditus" e Deus manifesto; e vendo o infinito imanente nas coisas finitas.

O homem deveria buscar a Deus no íntimo de seu coração. Deus falaria a cada pessoa através de seus sentimentos. A razão e a vontade deveriam ser combatidas, pois seriam causas de individualização, e empecilhos, portanto, à fusão no Todo Universal. Era preciso "reentrar" em si mesmo, e, para isto, era necessário combater as qualidades pessoais, egoísticas; resistir às imagens ilusórias dos sentidos, fruto da multiplicidade ilusória da vida real concreta (Cfr. L. Mittner- op. cit. p. 47).

A razão, especialmente, impediria o retorno ao Uno divino, pois ela, definindo as coisas, as separa. Também era preciso renunciar à vontade individual, considerada egoísta, para alcançar uma atitude de indiferença, semelhante à dos budistas e dos esotéricos.

O pietista gostava também de padecer, sofrer pacientemente as doces amarguras da vida. Ele não buscava o prazer e a alegria. Não amava os jogos e as diversões, nem a boa comida. Gostava do que é simples. Era um introvertido em contínua auto-análise, buscada como fim em si mesma.

O pietismo era então organizado em células de três pessoas que deviam ter entre si uma amizade "particular", sentimental e mística. Era o que eles chamavam "o trevo". Os três participantes do trevo deviam estabelecer um pacto de amizade, confirmado, muitas vezes, por uma comunhão. O trevo era o primeiro núcleo, ou célula, de um conventículo pietista. O próprio matrimônio era visto como "amizade conjugal", amizade de almas, de fundo religioso. No matrimônio também se formava, muitas vezes, um trevo ou um triângulo filadélfico entre os dois cônjuges e um terceiro elemento que patrocinara ou favorecera o casamento, renunciando o seu amor por um dos cônjuges. Esse terceiro elemento, que sacrificava o seu amor, era como um substituto de Cristo, um vice-Redentor. Esse amor, entre os pietistas, era chamado amor filadélfico, e se opunha ao amor filantrópico preconizado pelos racionalistas, que mandavam amar igualmente todos os homens.

Em consonância com essa concepção, Zinzendorf  renunciou a duas noivas, oferecendo-as a outros pietistas, para convertê-los. Casou-se, depois, e sua mulher lhe deu filhos. Então, ele a deixou para um amigo, enquanto partia para os Estados Unidos com uma "irmã" jovem que ia auxiliá-lo na fundação de uma colônia pietista na América. Quando sua mulher morreu, ele se casou com essa jovem.

A mística pietista, como toda mística gnóstica, incluía elementos sexuais. O processo teosófico exposto por Boehme, originado da Cabala, tem conotações desse tipo. Para Boehme, Adão teria sido um ser andrógino que não se conformando em ser o que era, quis ser o que não era, e, como castigo, Deus teria separado os sexos, criando a mulher do flanco de Adão. Zinzendorf e outros pietistas relacionavam a criação de Eva com a chaga do peito de Cristo. Nas cerimônias nupciais organizadas por Zinzendorf, havia símbolos obscenos relacionados com essa chaga.

Caracteristicamente, Susana Von Klettenberg, que iniciou Goethe na Alquimia, desenvolveu toda uma teoria mística do sangue que ela perdia em suas hemoptises de tuberculosa. Aliás, alquimia e pietismo eram estreitamente ligados.

A célula pietista funcionava como um microcosmo. Atuar nela, seria atuar no macrocosmo. Qualquer modificação na célula acarretaria uma modificação no todo universal, conforme as regras da alquimia.

A vida espiritual pietista procurava também analisar continuamente as manifestações do Deus oculto na natureza e na alma. Procurava-se, então, interpretar os "sinais de Deus" nos fenômenos naturais ou nos movimentos da alma. Por isso, os pietistas produziram uma grande quantidade de diários íntimos e cartas edificantes. Procurava-se também vaticinar o futuro, abrindo a Bíblia a esmo e lendo um versículo que manifestaria o futuro, ou a vontade de Deus.

Cabe um paralelo. Enquanto para o iluminismo o mundo era uma grande máquina que a luz da razão podia compreender, para o pietismo, em contraste, o universo era um grande ser vivo, cuja alma era o próprio Deus. A luz não seria a razão, e sim a beleza do universo, definida como esplendor da alma universal.
O misticismo anti-racionalista do pietismo produzia uma aversão a todo formalismo dogmático e litúrgico. Levava a rejeitar toda igreja constituída, toda institucionalização e hierarquia.

Por isso, os pietistas preferiam reunir-se nas casas, a fazê-lo nas igrejas. Em suas reuniões, lia-se a Bíblia, cantavam-se hinos sacros, incentivavam-se as pessoas mutuamente com discursos piedosos. Nessas reuniões não havia chefes ou presidentes, mas sim um círculo de elementos iguais, no qual o Espírito se manifestava livremente: Estas células constituíam pequenas igrejas na Igreja, "ecclesiolae in Ecclesia". Igualitarismo e ecumenismo eram notas características do pietismo.

Continua no próximo artigo postado.

1 comentários:

Maria Luiza disse...

Olá, Giovana! Paz e bem! Que prazer receber a sua visita lá em casa. Fique à vontade, pegue o que quiser e volte sempre. Vc tem razão, meu blog pretendia ser de receitas, daí se chamar Alquimia, pois é na cozinha que acontece real alquimia, mas de um jeito diferente com história, e sem perceber ele foi tomando outros rumos, mas ele tbém evangeliza que é propósito maior. Tenho outro blog. Esse sim é um alento, é um convite doce e suave para se ter alívio. Não quero teologar.Deixo isso para os experts. Quero mansidão.Quero que aquele que chega, chega prá ficar pois encontrou arrimo, água fresca e sombra refrescante na caminhada. Quero que aquele que chega, fique pois sentiu-se amado por nosso Senhor, abraçado por Maria e protegido pelos anjos e todos os santos. http://www.sentidomaior.blogspot.com Abração carregado dos melhores desejos de um FELIZ ANO NOVO!

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Salve Maria!

Que o Espírito Santo conduza suas palavras. E que Deus nos abençoe sempre.

***Caso o comentário seja contrário a fé Católica, contrário a Tradição Católica SERÁ DELETADO, NEM PERCA SEU TEMPO!
***Para maiores esclarecimentos: não sou adepta deste falso ecumenismo, não sou relativista, não sou sincretista, não tenho a mínima vontade de divulgar heresias; minha intenção não será outra a não ser combater tudo que cito acima!

Por fim, penso que esclarecidas as partes, que sejam bem vindos todos que vierem acrescentar algo mais neste pequeno sítio.